Parte 1
Quando cheguei em casa, senti o quanto aqueles
momentos tinham sido preciosos. As risadas e comentários ecoavam na minha
memória, revia cenas impagáveis de amizade, carinhos, beijos, olhares de
cumplicidade. Pensei em como havíamos temido a tal barata, para que ela,
finalmente, se revelasse a figura que nós mesmos nos tornamos para sobreviver
ao mundo. Mas o mundo fora do nosso clube. Dentro dele, tenho certeza, não
temos camadas, nem cascas. Somos quem somos e conseguimos , cada vez mais, ser
quem nem sabíamos que éramos.
Era nossa reunião de final de ano, na casa da Karen.
A confortável sala de estar, toda decorada para o Natal nos acolheu e foi
irresistível a vontade de me deitar na chaise long ao lado da Arletinha, logo
que cheguei. Nossa anfitriã preparou tudo nos mínimos detalhes, a começar pela
MARIA, espumante oficial da casa Teixeira, bem gelada! Tivemos a presença
especial de Hilda Simões Lopes, professora, especialista em Clarice Lispector,
convidada por nossa Presidente, a fim de esclarecer dúvidas e otimizar a
compreensão da obra e sua autora. Hilda, se revelou uma igual. Se integrou
perfeitamente ao grupo e seus apartes foram determinantes.
Só faltou a Malu, na África, para estarmos todas.
Mas quem veio, veio, e não deixou de estampar sua impressão sobre a difícil
leitura da “A Paixão Segundo GH”.
Suzana, desde o início, achou que deveríamos ler e ser desafiadas por
Clarice. Ela questionou nossa professora sobre as constantes citações de Deus e
do inferno. Hilda decodificou dizendo ser o julgamento superficial do outro, o
inferno, enquanto Deus se manifesta quando a autora consegue se libertar e
atingir a própria essência, a paz... Cléo vibrava, inspirada pela
espiritualidade de Clarice, evocou Júpiter e o zodíaco. Leu a página 30 e
concluiu: “ ...basta o olhar de um homem experimentado...” Com o apoio de
Denise, nossa fashionista também ressaltou a passagem das iniciais gravadas: “ É suficiente ver no couro de minhas valises as iniciais
G.H., e eis- me.”
Eu, Lise e Evy, assumimos não ter amado a leitura e que ela foi
muito difícil pra nos. A professora nos
orientou a começar por “Laços de Família”, uma obra que nos prepararia melhor
para entender Clarice. Segundo Hilda, a própria escritora confessou a Rose
Marie Muraro, que havia escrito seu melhor livro, mas que poucas pessoas iriam
entende-lo. Karen leu, sem problemas e adorou. Titina, na sua discrição
habitual, comentou pouco, mas gostou. Karin se divertiu fazendo comentários e
demonstrando conhecimento de causa.
Lídia que havia dado início a reunião, apresentando o
funcionamento do clube à nossa visitante, citou a página 10 onde a narradora,
indo adiante em suas “ visões fragmentáveis” analisa como nos apoiamos em
fatos, coisas e pessoas para nos sustentar e ir em frente, concluindo “…com
duas pernas posso caminhar, mas a falta da terceira perna, me assusta.” Nossa
presidente também salientou um outro aspecto interessante do livro que trata da
deseroização de si mesmo, a capacidade de assumir fracassos, até mesmo de uma
vida inteira: “a dor faz parte de nós”.
Hilda nos contou a triste história da vida de Clarice Lispector.
Mas, mais importante, decodificou para o grupo, esta mulher à frente do seu
tempo, que clamava para que o ser humano fosse aquilo que realmente é. Yunguiana,
Clarice pregava que para nos libertar do que nos perturba, temos que olhar o
incômodo de frente e engoli-lo. Para ela, lá na essência do nosso eu, o elã vital, temos a mesma chama, o problema são as camadas que nos são postas. -“E
por não ser, agora sou, então me adoro. Eu sou o que sou. A perda de tudo que
se pode perder e, ainda assim, ser.
Parte 2
Depois de entender boa parte das metáforas de Clarice Lispector,
fomos convidadas à mesa de jantar. Eu, nem precisaria, pois me sentia gorda,
inchada de tanta cultura. E digo com sinceridade, ainda que com humor.
A sensação era de ter colocado pra dentro de mim coisas que ainda
não havia metabolizado antes, que havia aprendido…Muito legal! Mas a Karen
tinha preparado um camarão delicioso, e nós estávamos ali também para
confraternizar, então, vamos em frente!
Agraciamos nossa querida convidada com uma orquídea branca, e uma
caixinha de códigos… Em sintonia com Clarice, como estávamos naquele momento,
foi fácil entendê-los e a tradução foi praticamente simultânea. Os temperos da
vida(manjericão e alecrim); Paixão (flor vermelha); proteção (pimentinha) e
amizade (flor amarela), tudo isso nas gavetinhas de um porta jóias feito a mão,
que somos nós na nossa singularidade. Mas isso é meio complicado, só vendo pra
entender…
Hilda adorou, assim como acho que gostou muito de estar conosco. A
recíproca foi totalmente verdadeira. Tê-la ali, com sua simpatia,
desprendimento e conhecimento, trouxe brilho a nossa noite e fez da nossa
reunião uma verdadeira aula gostosa, inesquecível!
Parte 3
Como na tradição, reunião de Natal é ocasião do nosso Amigo
Secreto Literário. A Presidente fez os papeizinhos, tentando colocar seu nome
mais de uma vez… ainda bem que eu estava atenta… Cleozinha, que estava bem ouriçada
com a Lispector ação, quis começar! Imaginem porque? Teve a honra de presentear
a Lidia com “A Vida Como Ela É”, Nelson Rodrigues. A Presy tirou a doce
Lisinha, que definiu como amiga pra todas as horas, o livro era “Nu, de Botas”,
de Antonio Prata. Lise anunciou Evelyn, a implacável assessora cibernética,
como sua amiga secreta e deu a ela “As Avós” de Doris Lessing. Vejam que
barbada… Evy pescou a Titina com “Felicidade Demais”, Alice Munro. Como esta
dupla tem realmente muito em comum, Titina também escolheu um Alice Munro
original para sua amiga Karin, “O Amor de Uma Boa Mulher”. Mas daí a coisa
ficou demais… Karinzita triplica Alice Munro e vai com “Felicidade Demais” para
Cléo.
Denise toma a palavra e começa a falar da sua amiga secreta… Uma mulher
maravilhosa, cheia de qualidades e a qual ela ADORA!!!! Adivinhem quem? EU.
Sim, eu mesma, tive a honra de receber da nossa pequena notável, “Catarina, a
Grande”, amei! Bem, passada a emoção e o abraço apertado, revelei que no meu
papelzinho, estava o nome daquela a quem a sinceridade não falta, e que, com um
coração enorme, nos acolheu - a querida Karen. Para ela “Antologia a Literatura
Fantástica”, coletânea de contos de diversos autores deste estilo. Karen teve a
sorte de presentear Arlete, que aos poucos está reflorescendo como as orquídeas
que tanto ama, com “ Vozes Anoitecidas” de Mia Couto. Arletinha disse que
estava meio sem cabeça pra escolher realmente uma obra, então deu a Suzana o
que de mais belo encontrou, um livro de fotos de Paris, cidade que ela adora.
Suzana, dotada de especial graça, homenageou sua grande descoberta deste ano, a
parceira de viagem Denise, com “O Professor do Desejo”, de Phillip Roth. As
duas perambularam sapecamente pelo mundo, levando os livros do clube por onde
passaram.
Parte 4
Para fechar, com chave de ouro, deveríamos escolher o livro do
ano! Tchan, tchan, tchan, tchan….Votado e ovacionado o melhor do ano para o
Clube de Leitura Toscana- The winner is : O Silêncio das Montanhas de Khaled
Housseini.
Gurias queridas, em primeiro lugar gostaria de pedir desculpas
pela demora em publicar a ata, mas tenham certeza que existiram motivos pra
isto. Em seguida gostaria de agradecer, do fundo do meu coração a cada uma de
vocês pelo carinho, pelo incentivo, pela confiança, enfim, pela amizade que tem
sido de valor inestimável pra mim. Como já declarei outras vezes, o Clube é das
maiores fontes de alegria e portanto de energia que tenho hoje. Que isso
continue pra sempre!
Desejo a todas um Natal cheio de felicidade, junto de quem vocês
amam. E que no próximo ano a gente consiga estar muito juntas, trocando
experiências, impressões e sentimentos. Repetindo: Amo vocês!
Bj
Andrea